sábado, 16 de agosto de 2014

Sobre a arrogância da ciência

Quando o conhecimento científico actual colide com as convicções de alguma pessoa menos inclinada para a curiosidade científica, é comum ouvirmos: “lá vêm a ciência e a sua arrogância!”

Ora, tenho de vos dizer: não encontro qualquer arrogância na ciência enquanto actividade. Que um cientista específico seja pessoalmente arrogante, com certeza que sim: há arrogantes em todo o lado… Também posso concordar que alguns cientistas assumem atitudes arrogantes perante os outros. Mas a ciência em si não é arrogante; é, talvez, a própria encarnação da humildade intelectual.

Para vos explicar o que quero dizer, imaginem uma aldeia onde ocorreu um crime: alguém matou o padre. O presidente da Câmara está absolutamente convencido que foi o professor. Aparece um investigador da cidade e começa por dizer que não sabe quem matou o padre. O presidente da Câmara fica impaciente: 

“Já lhe disse que foi o professor! Tenho a certeza! Basta conhecê-lo!” 

O investigador regista a opinião, mas precisa de provas; não tem certezas. O presidente da Câmara acusa-o de arrogância: 

“Provas? Estou a dizer quem foi! Não precisa de mais investigações nem de provas! O culpado está encontrado.” 

O investigador não desarma e, dias depois, apresenta provas concretas que apontam para o verdadeiro culpado — não deixando de dizer que é a sua teoria, que terá de ser testada em tribunal. O presidente da Câmara não aceita esta teoria. Continua a acusar o investigador de arrogância — e apresenta uma série de dúvidas. O investigador aceita as dúvidas, investiga mais um pouco, responde a essas mesmas dúvidas com dados concretos. O presidente da Câmara irrita-se: 

“Lá continua você com a martelar-me a cabeça com a sua teoria! A verdade é o que eu lhe disse, ponto final! Não seja arrogante!”

Reparem num pormenor: o culpado até podia ser o professor. O investigador não começou o seu trabalho pressupondo que o professor não era o culpado. Provavelmente, até começou por testar essa hipótese...

Mas estou a divagar. A pergunta é esta: quem era o verdadeiro arrogante intelectual nesta pequena história: o presidente da Câmara ou o investigador?


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